Hoje parei para pensar em aproximadamente 10 meses em que
moro longe da proteção de meus pais, longe da onde cresci, longe da cidade
pacata e ‘quase’ sem violência do interior.
Senti uma absurda saudade. Saudade
daquilo que fui, sei que não sou mais, e nunca mais voltarei a ser, aquele coração
bobo, mole, que é sempre de acreditar outra vez. Aqui não posso ser assim... Se
a ‘selva’ já é de pedra, como posso ter coração mole?
Foi pouco tempo depois que decidi ficar aqui, que meu motivo de
ficar havia ido embora, e quando se foi e eu afundei numa melancolia de dar
gosto, mas ainda assim eu fiquei e todos sabem porque eu fiquei. E que ficaria
até o fim, até o fundo. Que aceitaria a queda, que aceitaria a morte. Que nessa
aceitação, caí. Que nessa queda, morri. Comecei a me carregar tão perdida naqueles
dias que se passaram.
E eu sabia que para atravessar fevereiro, ter um amor seria
importante, mas como não consegui, já a vida não me deu e ainda me tirou — sem
o menor pudor, inventei um.
Admito que doeu, que sufocou. Admito que eu não sabia pra onde
correr. Admito que me consumiu, que me corroeu, que me despedaçou. Mas também
admito me fez olhar pra frente e entender que tudo nessa vida tem uma razão, e
que se você se machuca muito, depois de um tempo começa a não doer mais tanto.
Se ao menos dessa revolta, dessa angústia, saísse alguma coisa que
prestasse, que me fizesse me recriar. Em outros tempos eu até diria “Tomei
raiva de você”. Mas nem foi raiva, vejo isso só agora. É só tristeza mesmo de
não poder mudar meu presente.
Passaram-se dias tristes, aquela vontade de não fazer nada, só
dormir. Dormir porque o mundo dos sonhos é melhor, porque meus desejos valem de
algo, dormir porque não há tormentos enquanto sonho, e eu posso tornar tudo
realidade, até mesmo criar anjos.
A gente nunca pode julgar o que acontece dentro dos outros,
nem dentro da gente mesmo. Foi quando resolvi apenas parar de correr, e ficar
em silêncio. Porque o coração nem sempre é mocinho. Foi por isso que corri,
tentei fugir, mas quando tem que ser, não adianta, será e foi. O silencio ás
vezes responde até mesmo aquilo que não foi perguntado, e Deus, respondeu. E hoje
acredito que todos os dias quando eu acordo Deus dá um sorriso e me diz: “Estou
te dando a chance de tentar de novo” e Ele fez isso me mandando dois Arcanjos.
Quanta tolice minha, achar que sou tão importante para Deus, pra
ele separar dois Arcanjos apenas para poder proteger a menininha que não
sobreviveria sozinha. Mas não, eu não era tola. Mas como quem não desiste de
anjos, fadas, cegonhas com bebês, ilhas gregas e happy ends cinderelescos, eu queria
acreditar. E acreditando, quando eles não permitiam que eu atravessasse a rua
sem olhar para os dois lados, eu não via braços, eu via asas.
Eu sou uma pessoa que constantemente precisa de segurança, de amor,
de compreensão, de atenção, de alguém que sente comigo e fale: Calma, eu estou
com você e vou te proteger! E eu achei: anjos disfarçados de amigos. Daquele
tipo que você liga e diz: "aconteceu algo terrível, sinto que não vou
suportar" e ouvir "senta e me espera, tô indo agora te ver e estou
levando pipoca!”
Uma pessoa não precisa estar a vida inteira ao seu lado para se
tornar única e inesquecível, e esses anjos se tornaram, não eternos, mas
inesquecíveis.
Sem apego. Sem melancolia. Sem saudade. A ordem é desocupar
lugares. Filtrar emoções. Não me permitir entristecer, por nada, nem ninguém,
nuca mais. Abraçar o que me faz sorrir. Criei laços com as pessoas que me
faziam bem, que me parecia verdadeiras. Desfiz os nós que me prendem àqueles
que foram significativos na minha vida, mas, infelizmente, por vontade própria,
deixaram de ser. Nó aperta, laço enfeita. Simples assim.
Acho que fiz tudo do jeito melhor, meio torto, talvez, mas tenho
tentado da maneira mais bonita que sei, porque tem coisas da gente que não são
defeito nem erro: são só jeito da gente ser. E que meu jeito continue sendo
doce, e o meu modo de demonstrar afeto, meus olhares , meus receios, sejam únicos.
E hoje, apenas escrevo porque às vezes acho que sou Caio Fernando
Abreu. Crio frases de pronto na cabeça, digo alguma coisa breve, sincera e
apertada. Escrever é enfiar um dedo na garganta. Depois, claro, você peneira
essa gosma, amolda-a, transforma. Pode sair até uma flor. Mas o momento
decisivo é o dedo na garganta.
Olha, sabe duma coisa que eu aprendi com isso tudo? O desfazer-se
de certas lembranças significa também abrir espaço para que outras tomem o seu
lugar. E tomaram.